Uma das técnicas mais utilizadas e mais importantes do audiovisual, o Efeito Kuleshov deixa claro a importância da montagem na construção narrativa. Entender como funciona e conseguir identificá-lo transforma a experiência cinematográfica, adicionando uma nova camada de conhecimento.
Russos não brincam em serviço
Muito além da narrativa fluida e orgânica de Hollywood, o cinema russo sempre se mostrou interessado em explorar os limites da construção exata da sétima arte. Uma espécie de investida artístico-científica, quase um contraponto ao cinema de conforto que estava sendo feito nos Estados Unidos no início dos anos 1920. Uma prova disso é o experimento tema deste post, realizado por Lev Kuleshov - e que leva seu nome, mas também é chamado de técnica do espectador reativo.
A edição e a capacidade de induzir o espectador
Muitos acreditam que a narrativa cinematográfica é construída apenas na relação entre ator e diretor, e nada além. Contudo, o que o Efeito Kuleshov nos mostra é que a montagem é uma parte essencial na construção diegética, sugerindo diferentes emoções e ideias a quem assiste ao material, tudo isso dependendo da expressão facial do ator em cena e da justaposição de imagens em relação à essa mesma expressão.
A teoria em prática
Para colocar essa teoria em prática, Lev, à época um renomado cineasta, mostrou aos espectadores um pequeno vídeo (que você pode conferir abaixo) e depois pediu que estes o descrevessem. O vídeo mostrava o rosto do ator Ivan Mouzzhukin em um close, e ele havia sido instruído a fazer uma expressão facial tão neutra quanto fosse possível. Entre as imagens da face do ator, foram intercaladas outras imagens, uma de uma pessoa em um caixão, outra de um prato de sopa e a terceira de uma mulher reclinada em descanso.
O resultado foi que, mesmo que o ator não tivesse mudado nenhuma vez sua expressão, ele demonstrava diferentes sentimentos por meio das imagens adicionais. Os espectadores afirmavam que no primeiro corte, o ator aparentava estar com fome por conta de estar encarando a sopa, no segundo, triste pois presenciava um cadáver de uma moça em um caixão e no último aparentava exibir desejo por admirar uma bela mulher. A conclusão do experimento é que a montagem é tão importante quanto a atuação na narrativa.
Hollywood e o efeito
Já falamos antes que os experimentos de Lev Kuleshov surgiram em uma época em que o cinema russo era quase o contrário do cinema estadunidense, mas não pense que Hollywood não entendeu e usou esse efeito em seus filmes! O Efeito Kuleshov é muito atrativo por permitir a apreensão não intelectual da história, ou seja, é capaz de transmitir a ideia de forma intuitiva e contemplativa. As ideias são formadas nas cabeças dos espectadores de forma natural, sem que estes se deem conta.
Um de seus grandes admiradores foi Hitchcock, que frequentemente aplicava o efeito em seus filmes meticulosamente planejados. No entanto, a técnica ainda é aplicada em filmes recentes, sendo um dos seus maiores exemplos a famosa cena no metrô do filme Shame (Steve McQueen, 2011): enquanto Brandon (o protagonista, interpretado por Michael Fassbender) mantém seu olhar fixo e irredutível em uma moça no metrô, as expressões dela intercaladas às dele na montagem entregam uma narrativa inteira nos três minutos de duração da cena, que vai de desejo a incômodo, desconforto e drama - quando no fim ele a perde na multidão.
Conhecer o Efeito Kuleshov adiciona uma camada à forma de fazer cinema, e é uma forma muito interessante de conhecer os processos de criação. Esperamos que esse post tenha ajudado a melhorar sua experiência ao desfrutar uma obra cinematográfica! Aproveite e descubra também o que a Onze Trinta pode fazer por você.
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